Padrões de Investimento, mudança institucional e transformação estrutural na economia chinesa

Desde 1949, quando a República Popular foi criada, a China passou por duas transformações fundamentais. De um lado, houve um contínuo e acelerado processo de industrialização, responsável por elevada e persistente taxa de crescimento econômico; de outro, ocorreu uma profunda transição institucional, com a transformação de uma economia centralmente planejada num capitalismo de Estado. O que distingue a experiência chinesa em confronto com outras experiências de transição institucional é a superposição desses processos sem que a industrialização, a máquina de crescimento essencial da China, tivesse sofrido solução de continuidade. Desde 1978, as “estruturas sociais de acumulação” mudaram amplamente com a dissolução das comunas, com uma veloz urbanização, com a emergência de uma classe capitalista e de um grande setor privado doméstico e internacionalizado, com a formação de um mercado de trabalho, com a comercialização do direito de uso das terras e com a privatização do excedente social. Do mesmo modo, as relações externas mudaram profundamente. Do isolamento autárquico vigente até a década de 1980, a China transformou-se num centro manufatureiro e segundo maior exportador mundial e um dos maiores mercados internacionalizados. Essas transformações ocorreram sem interromper a trajetória de acumulação liderada pelo Estado.

Conforme se pretende argumentar neste trabalho, tal persistência na trajetória industrializante decorre da própria estrutura econômica chinesa caracterizada ao longo de todo o período por uma vasta população ocupada na agricultura de alimentos, comprimida num espaço de terra arável relativamente escasso e amplo excedente de mão de obra rural, tornando a acumulação de capital industrial base para o aumento da produtividade agrícola e para a absorção do excedente rural. A industrialização, tal como nos países do sudeste asiático, tornou-se a via obrigatória do desenvolvimento, e a absorção do excedente rural nas atividades de maior produtividade configurou-se, tal como na clássica análise de Arthur Lewis (1954), como o principal fator para a elevação do produto médio por ocupado. Os investimentos em infraestrutura e em máquina e equipamentos afirmaram-se, por sua vez, como o motor da produtividade industrial.

Mas de forma distinta das demais economias dinâmicas do sudeste asiático, a importância do mercado interno decorrente da modernização da agricultura, da expansão da renda média de uma vasta população, dos investimentos interindustriais e do processo de urbanização sobressaíram na liderança do crescimento econômico ainda que as exportações tivessem contribuído tanto para a expansão dos mercados quanto e, sobretudo, para financiar as crescentes necessidades de importa- ções de máquinas e equipamentos e produtos intermediários.

Em que pese a importância das transformações institucionais favorecedoras do mercado e da descentralização das decisões de investimento, o Estado chinês preservou, tal como ocorreu na Coreia do Sul e em Taiwan no auge de seus processos de arranque industrial, amplo controle sobre os investimentos na indústria pesada por meio das empresas estatais e dos bancos públicos, ampla coordenação do processo do desenvolvimento por meio de planos quinquenais, controle sobre preços básicos e, em particular, sobre os fluxos financeiros externos.

Ao contrário daqueles países, entretanto, a construção de relações sociais e econômicas capitalistas iniciadas com as reformas de Deng Xiaoping, voltadas a getting rich first, resultou na desmontagem de uma sociedade socialista extremamente igualitária, levando a um amplo processo de concentração da renda a favor dos novos capitalistas, das camadas médias urbanas emergentes e de redução dos mecanismos de proteção social. Entretanto, tal como no Brasil no auge de seu arranque industrial nos anos 1960-70, a concentração de renda se deu ao mesmo tempo em que a urbanização, a expansão do crédito e a mobilidade ocupacional ascendente elevaram o padrão de consumo e a sua difusão. Desse modo, se, de um lado, a acumulação de capital manteve-se num elevado patamar, em que pese as profundas transformações em suas estruturas sociais, estas, como sempre enfatizaram os economistas políticos clássicos, influenciaram decididamente a distribuição da renda.

Para desenvolver esta análise, este trabalho está dividido em seis seções, além desta introdução. Na primeira seção, a periodização a ser usada neste trabalho é apresentada ao lado de uma síntese de algumas interpretações sobre o crescimento econômico chinês de longo prazo; na segunda seção, descrevem-se alguns aspectos da base material da economia chinesa; na terceira, apresenta-se um balanço das transformações estruturais; na quarta seção, discutem-se as fontes de crescimento de longo prazo e descreve-se a evolução dos ciclos econômicos; na quinta, são apresentadas algumas características do dual track system e dos mecanismos de coordenação dos investimentos, e, na última seção, analisa-se a evolução dos salários e da distribuição de renda.

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