Introdução à Economia Política Clássica

As primeiras referências ao termo “economia política” aparecem no início do século XVII nas obras de Mayerne-Turquet (1611) e Antoine Montchrétien, que em 1615 publica seu “Tratado de Economia Política”. O termo também apareceria no século seguinte nas obras de autores franceses da escola da Fisiocracia, como Fraçois Quesnay (1757), e nas de economistas britânicos como James Steuart (1767) e Adam Smith (1776).

Entre o final do século XVIII e o século XIX a economia política se constitui enquanto campo teórico a partir da contribuição de diversos autores, especialmente no eixo entre Grã Bretanha e França, principais economias da época. Dentre eles pode-se destacar – além de Quesnay, Steuart e Smith – Willian Petty, Richard Cantillon, Pierre Boisguillebert, David Hume, Jean-Charles Sismondi, David Ricardo e Karl Marx. 

O objetivo da ciência que tomava forma era analisar os processos de produção, acumulação, circulação e distribuição de riquezas, bem como o conjunto das relações sociais relacionadas a tais processos. Este estudo se dava em um contexto essencialmente novo, a partir da crise do feudalismo e da ascensão do capitalismo, enquanto os Estados nacionais europeus se formavam e as relações mercantis se disseminavam.

A contextualização do surgimento e consolidação da economia política é fundamental para sua compreensão. Assim, é possível relacionar o advento da escola fisiocrática ao quadro de desarticulação da agricultura francesa observado no século XVIII após a adoção de práticas mercantilistas, e as própria contribuições de Smith e Ricardo, respectivamente, à ascensão e consolidação do capitalismo industrial britânico. Posteriormente, tanto a crítica da economia política levada a cabo por Marx quanto o advento da economics[1] a partir da revolução marginalistas se dão à luz desta consolidação na Europa e de suas consequências sociais.

Isto posto, é possível passar para a delimitação, no escopo da economia política, do que seria a economia política clássica. E aqui é preciso ressaltar que não se trata de uma categorização consensual. O termo foi cunhado por Marx para designar um conjunto de autores que iria de Petty e Boisguillebert a Sismondi e Ricardo. Para Schumpeter, por outro lado, ela se estenderia de Smith a John Stuart Mill. Uma forma objetiva de tratar a questão é a partir da identificação de elementos analíticos comuns a este conjunto de autores.

 Caso se defina a economia política clássica a partir do conceito de excedente, entendido como a parte da produção social que excede aquela necessária para a reprodução do sistema econômico, pode-se identificar uma linha de continuidade das primeiras contribuições de Petty[2] e Cantillon até as mais desenvolvidas de Ricardo e Marx.

Ainda que este conjunto heterogêneo de autores possua diferentes visões políticas e divergências teóricas, é possível identificar o elemento comum da preocupação com o processo de produção, reprodução e distribuição do excedente. Este consistiria na diferença entre o produto social e o consumo necessário para produzi-lo, ou seja, na parte da produção que excede aquela necessária à reprodução do sistema econômico. Decorre diretamente desta preocupação a análise das relações de poder entre diferentes grupos e classes sociais, e em especial a dos proprietários e a dos não proprietários dos meios de produção, dado o contexto da economia capitalista.

 Com a consolidação do capitalismo e de suas relações sociais de produção o acirramento das tensões entre estas duas classes ao longo da segunda metade do século XIX iria contribuir – em conjunto com outros fatores, como os problemas analíticos e mesmo políticos relativos à teoria do valor[3] – para o declínio da economia política clássica. Seu lugar de proeminência no debate econômico seria ocupado pela economia marginalista (economics) que reivindicaria para si o legado da tradição clássica, fato que se reflete na alcunha dada a esta tradição de “neoclássica”.

Esta reivindicação, levada a cabo principalmente por Alfred Marshall[4], é passível de ser questionada, mas o fato é que a teoria neoclássica eclipsou a economia política clássica. Esse processo é evidente no abandono do conceito de excedente em prol do de escassez; na substituição do recorte analítico de classes sociais pelo individualismo metodológico; e na rejeição de uma teoria objetiva do valor baseada no trabalho em prol de uma teoria subjetiva do valor, baseada nas preferências e na escassez relativa dos fatores de produção.

 A metáfora de um eclipse da economia política clássica é especialmente pertinente quando se tem em vista a retomada da abordagem do excedente a partir da contribuição de Piero Sraffa, já em meados do século XX. Ainda que a teoria neoclássica continue dominante, a proposta de Sraffa constitui-se como uma alternativa consistente, na medida em que retoma e aprimora a teoria do valor e da distribuição clássica e recupera a importância do seu recorte analítico em classes sociais, lançando sólidas bases para um edifício teórico compatível com a adoção do Princípio da Demanda Efetiva na dinâmica de determinação do produto e de sua taxa de crescimento.

Referências

ASPROMOURGOS, T. On the origins of classical economics: distribution and value from William Petty to Adam Smith. Routledge, 1995.

BHARADWAJ, K. Classical political economy and rise to dominance of supply and demand theories. Calcutta: Centre for Studies in Social Sciences; New Delhi: Sole distributors, Orient Longman, 1986.

GROENEWEGEN, P. Political Economy’ and ‘Economics. The world of economics, p. 556-562, 1991.

MARX, K. Teorias da mais-valia: livro 4 de O capital: volume 4: história crítica do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

MARX, K. Preface to a Contribution to the Critique of Political Economy. Marx.org (1993[1859]).

NETTO. J. P. E BRAZ, M. Economia política, uma introdução crítica. Pp. 27-38, 2012.

TEIXEIRA, A. Marx e a economia política: a crítica como conceito. Econômica, v. 2, n. 4, p. 85-109, 2000.


[1] Economics aqui significa o mesmo que economia, em oposição à economia política. A transição deliberada deste termo para aquele buscou justamente afastar a ciência econômica das ciências sociais em direção às exatas, e não por acaso observou-se o crescente uso da instrumental matemático, bem como a comparações deste ramo do conhecimento com a física mecânica. Algo ilustrativo é o título da obra clássica de Walras, situado justamente nesta transição, “Elementos da Economia Política Pura”, de 1874.

[2] Não por acaso Marx considera Petty o primeiro a tratar a economia política como uma ciência apartada das demais, e por isso o “pai da economia política clássica inglesa” (MARX, 1993 [1859], p. 22; 27). Cabe destacar que Marx também atribui aos autores fisiocratas a filiação sobre a “economia política moderna”: “A análise do capital, dentro do horizonte burguês, coube essencialmente aos fisiocratas. Essa contribuição faz deles os verdadeiros pais da economia política moderna” (Marx, 1980, p. 19).

[3] Bharadwaj (1984, p. 1239) destaca os problemas analíticos da explicação clássica para a distribuição e os preços relativos, como o problema da transformação no caso de Marx. Já Netto e Braz (2012, p. 33) ressaltam as dificuldades políticas do entendimento do trabalho como fundamento do valor, já que que “[s]e essa concepção era útil à burguesia que se confrontava com o parasitismo da nobreza, deixou de sê-lo quando pensadores ligados ao proletariado começaram a extrair dela consequências socialistas”.

[4] Além disso, Marshall teria sido o primeiro a abandonar o termo “economia política” em seu “Principles of economics”, de 1890 (TEIXEIRA, 2000, p. 93).

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