Teoria Heterodoxa Para Justificar Políticas Neoliberais ?
Eu gostaria de tecer alguns comentários sobre o artigo do Lara Resende no Valor (08/03/2019) antes que economistas críticos comecem a elogiar ele pensando que ele aceitou o MMT (Modern Monetary Theory), virou progressista ou algo do tipo.
Sim, de fato a explicação que ele dá sobre como funciona o financiamento do governo é boa, ele reconhece que a moeda é endógena, que o Banco Central controla a taxa de juros e que o governo não tem restrição financeira. Reconhece também que dentro desse entendimento, se há capacidade ociosa e se as expectativas inflacionárias estão “bem ancoradas”, não há problema em utilizar a política fiscal para estimular a economia. A explicação é parecida com a explicação da MMT, que ele inclusive menciona e dá algum crédito, além de citar bastante o Abba Lerner. Até ai, ok.
Mas ele não reconhece em nenhum momento que essa “nova teoria” não é tão nova assim e que na verdade boa parte dos heterodoxos defendem isso há muito tempo.
Ele também tem uma explicação sobre a inflação bem equivocada na minha opinião, apesar disso ser um ponto secundário do artigo que não altera a discussão principal.
Contudo, durante todo o artigo ele é bastante conservador em questão as recomendações de política econômica e mesmo com toda a discussão teórica que ele faz, não é capaz de propor nada diferente do que já está sendo proposto.
O que ele propõe basicamente:
a) defende a reforma da previdência do Bolsonaro
b) defende uma redução dos impostos para as empresas para estimular o
investimento.
c) propõe como regra monetária que a taxa de juros nominal deve ser menor que a
taxa de crescimento nominal do PIB (condição para estabilização da relação
Dívida/PIB).
Então, vamos lá:
Ele reconhece que existe ociosidade na economia brasileira, e que portanto
caberiam estímulos a demanda. Contudo, sua proposta é reduzir impostos para
estimular as empresas a investirem! Mas por que as empresas vão investir (e
criar capacidade produtiva) justamente num momento em que há elevada ociosidade
da capacidade já instalada? Seria muito mais eficaz se o governo aumentasse
gastos, investimentos e transferências, criando demanda diretamente. O autor
não menciona em nenhum momento, por exemplo, a revogação da PEC do teto de
gastos, que encaixaria totalmente com essa interpretação dele do financiamento
do governo.
Então a proposta dele não seria eficaz para estimular o crescimento e visa
apenas aumentar a margem de lucro das empresas.
Ao mesmo tempo em que defende uma redução de impostos para as empresas, defende
um aumento da carga tributária para os trabalhadores (já que a reforma da
previdência inclui aumento das alíquotas) e redução das transferências, que
poderiam ajudar o país a sair da crise.
Mais uma vez, o objetivo das políticas que ele defende aqui é a redução do
poder de barganha dos trabalhadores (obrigando-os a permanecer no mercado de
trabalho por mais anos) em relação aos capitalistas, e não políticas de
estímulo a demanda que poderiam de fato gerar crescimento.
Por fim, a regra monetária que propõe é esdrúxula. Se ele reconhece que o governo não tem restrição financeira e não há limite para a dívida pública denominada em Reais, por que ele propõe uma regra para a taxa de juros que vise garantir justamente a estabilização (ou redução) da relação Dívida/PIB?
Assim, a impressão que eu tenho é que o André Lara Resende fez um esforço para tentar propor algo de novo em termos teóricos, tentando dar uma roupagem mais moderna as explicações, ao mesmo tempo em que utiliza de forma distorcida esses princípios teóricos para defender exatamente as mesmas políticas econômicas que já vem sendo propostas há muito tempo, e que no fundo não visam promover o crescimento, e sim defender os interesses do capital contra os do trabalhador. Isso não é exatamente uma novidade na ortodoxia e acontece de tempos em tempos: fazem alterações na teoria, mas sempre criando algum caminho teórico para defender políticas conservadoras.
Link para o texto do André Lara Resende no Valor:
https://www.valor.com.br/cultura/6149939/andre-lara-resende-escreve-sobre-crise-da-macroeconomia